ensaio sobre a memória i

aprecias-me de fora
(espera. vou embora.
neste momento
entrei na tua esfera)

tenho apreciado cada movimento teu,
tenho apreciado como mentes,
tenho apreciado o que a tua dor não esqueceu,
e tenho apreciado como falseias o que sentes.

julgas-te o quê?
o génio? o fingidor?
a minha mente o teu coração lê,
na cabeça sinto dor.

nunca parei de te ver,
nunca atrasei o passo
acompanhei-te sem nunca te esquecer
sempre partilhámos o espaço.

Ensaio sobre o amor i

Hoje falei em amor
Como posso eu
Falar de algo que me causa dor?
O que é isso que o meu ser esqueceu?

Deus é que mais ama
Os homens, dizem.
Há quem o sinta como uma chama
Mas é algo com o qual eu vivo sem.

Não finjo no que sinto
É verdade, eu amo, confesso.
Se disser que não existe o amor,
Decerto minto.

O que sinto por ti
É carinho e dedicação
Mas esses são sentimentos
Banais, que sempre senti.

Paro por breves momentos
Penso em ti
Sinto o acelerar do meu coração
A ti, amo-te.

Em ti me deito
No teu amor me aconchego
Vou adormecer
Nesse mero conceito
Acordar será sempre um medo
Ah! No teu amor me quero perder!

Sufoca-me nos teus breaços
Asfixia-me com os teus beijos
quero encerrar os meus desejos
como num presente com laços
vou dar-te
esse presente que é o amor
juro amar-te
não sei como conter esta dor!

A tua respiração corrói.
Amar dói-me.

Morre, amor.
Acaba com esta minha dor!

Análise física i

Retirei uma escama
deitei-a à água.
Vi reflexos do que melhor ama
e o submergir de alguma mágoa.

A matéria que me compõe em nada difere daquela
de que são feitos os homens.
Tenho cabeça e vejo nela
restos da servidão de pajens.

Sobre mim
não há relíquias para dar a conhecer,
portanto deixo assim
um pouco daquele em quem quero adormecer

No ano em que nasci
vi definido o meu comprimento,
avisto agora o entorpecimento
da matéria que em duas décadas li

a debilidade do meu corpo
apodera-se a cada instante
de um modo tropo
não passo de um esterco ambulante.

Há contudo em mim
que reconhecer. de algum valor
sou criador, sim
mas para dar apenas amor.

Falto de cabelo
mas forte esse pouco.
Vejo um velho como o do Restelo
de cada vez que olho de cima.
O som que de mim sai é rouco
e não há quem por mim tenha estima.

Análise química ii

Preciso de ti, água!
Em ti respiro, em ti nado.
O meu ser,
esse esterco inacabado
dissolve em ti toda a sua mágoa
para que, num nado eterno
o amor por ti possa esquecer.

Em março mergulhei em ti.
Lembrar-me faz
sentir o frio que a vinte senti.
Num lívido sargaço me tornei
nesse sargaço agora fugaz.

Sou peixes logo
sou dois, então.
Por favor, peço-te que me deixes
neste mar de solidão!

Ouvi sermões
escutei atentamente e em mim encerrei
a vontade imperiosa de não ser homem
para  poder não ter ambições.







Análise química i

Três átomos
Que os não vejo, nem tu:
Dois de uma coisa,
da outra, apenas um.

Aprecio este número divino
da composição do elemento
Ah! Amor por ti quanto, amor
para ti me inclino!
Líquido que corres nas minhas veias,
pára por um momento
suplico-te: por favor.
Vais conhecer as minhas odisseias!